A Relevância do Sermão do Monte
Se o Sermão é ou não
relevante para a vida moderna, só se pode julgar através de um detalhado exame
do seu conteúdo. O que salta à vista é que, não importando como ele foi
composto, forma um todo maravilhosamente coerente. Descreve o comportamento que
Jesus esperava de cada um dos seus discípulos, que são também cidadãos do reino
de Deus. Vemos como Jesus é em si mesmo, em seu coração, em suas motivações, em
seus pensamentos, e também quando afastado, sozinho com o seu Pai. Vemo-lo na
arena da vida pública, relacionando-se com o próximo, exercendo misericórdia,
patrocinando a paz, sendo perseguido, agindo como sal, deixando a sua luz
brilhar, amando e servindo aos outros (até mesmo aos seus inimigos), e
dedicando-se acima de tudo à expansão do reino de Deus e da sua justiça no
mundo.
Talvez uma rápida análise do Sermão
ajude a demonstrar a sua relevância para nós, no século vinte.
a. O caráter do cristão (5:3-12)
As bem-aventuranças
enfatizam oito sinais principais da conduta e do caráter cristãos,
especialmente em relação a Deus e aos homens, e as bênçãos divinas que repousam
sobre aqueles que externam estes sinais.
b. A
influência do cristão (5:13-16)
As duas metáforas do sal
e da luz indicam a influência que os cristãos devem exercer para o bem na
comunidade se (e tão somente se) mantiverem o seu caráter distinto, conforme
descrito nas bem-aventuranças.
c. A
justiça do cristão (5:17-48)
Qual deve ser a atitude
do cristão para com a lei moral de Deus? Ficaria a lei propriamente dita abolida
na vida cristã, como estranhamente afirmam os advogados da filosofia da
"nova moralidade" e da escola dos "não-mais-sob-a-lei"?
Não. Jesus não tinha vindo para abolir a lei e os profetas, disse ele, mas para
cumpri-los. E mais, ele chegou a declarar que a grandeza no reino de Deus se
media pela conformidade com os ensinamentos morais da lei e dos profetas, e que
até mesmo entrar no reino era impossível sem uma justiça maior do que a dos
escribas e fariseus (5:17-20). Jesus deu, então, seis ilustrações desta justiça
cristã melhor (5:21-48), relacionando-a com o homicídio, com o adultério, com
o divórcio, com o juramento, com a vingança e com o amor. Em cada antítese
("Ouvistes que foi dito ... eu, porém, vos digo . . ."), rejeitou a
acomodada tradição dos escribas, reafirmou a autoridade das Escrituras do Velho
Testamento e apresentou as decorrências plenas e exatas da lei moral de Deus.
d. A
piedade do cristão (6:1-18)
Em sua
"piedade" ou devoção religiosa, os cristãos não devem se acomodar nem
com o tipo hipócrita dos fariseus, nem com o formalismo mecânico dos pagãos. A
piedade cristã deve destacar-se acima de tudo pela realidade, pela sinceridade
dos filhos de Deus que vivem na presença de seu Pai celestial.
e. A
ambição do cristão (6:19-34)
O "mundanismo"
do qual os cristãos devem fugir pode ter aparência religiosa ou secular. Por
isso, devemos ser diferentes dos não-cristãos, não apenas em nossas devoções,
mas também em nossas ambições. Cristo modifica especialmente a nossa atitude
para com a riqueza e os bens materiais. É impossível adorar a Deus e ao
dinheiro; temos de escolher um dos dois. As pessoas do mundo estão preocupadas
com a busca do alimento, da bebida e do vestuário. Os cristãos devem ficar
livres destas ansiedades materiais ego-centralizadas e, em lugar disso, devem
dedicar-se à expansão do governo e da justiça de Deus. É o mesmo que dizer que
a nossa ambição suprema deve ser a glória de Deus e não a nossa própria glória,
nem mesmo o nosso próprio bem-estar material. É uma questão do que buscamos
"em primeiro lugar".
f. Os relacionamentos do cristão (7:1-20) Os
cristãos estão presos em uma complexa teia de relacionamentos, todos eles
partindo do nosso relacionamento com Cristo. Quando nos relacionamos
devidamente com ele, os nossos demais relacionamentos são todos afetados.
Novos relacionamentos surgem, e os antigos se modificam. Assim, não devemos
julgar o nosso irmão, mas servi-lo (vs. 1-5). Devemos também evitar oferecer o
evangelho àqueles que decididamente o rejeitam (v. 6); devemos continuar orando
ao nosso Pai celestial (vs. 7-12) e tomar cuidado com os falsos profetas, que
impedem que muita gente encontre a porta estreita e o caminho difícil (vs.
13-20).
g. Uma dedicação
cristã (7:21-27)
O último item
apresentado pelo todo do Sermão relaciona-se com a autoridade do pregador. Não
basta chamá-lo de "Senhor" (vs. 21-23) ou ouvir os seus ensinamentos
(vs. 24-27). A questão básica é se nós somos sinceros no que dizemos e
se fazemos o que ouvimos. Deste compromisso depende o nosso destino eterno.
Só quem obedece a Cristo como Senhor é sábio. Pois quem assim procede está
edificando a sua casa sobre o alicerce da rocha, que as tempestades da
adversidade e do juízo não serão capazes de solapar.
As multidões ficaram
perplexas com a autoridade com que Jesus ensinava (vs. 28, 29). É uma
autoridade à qual os discípulos de Jesus de cada geração devem submeter-se. A
questão do senhorio de Cristo é relevante hoje em dia, tanto com referência a
princípios como à aplicação prática, da mesma maneira que o era quando
originalmente ele pregou o Sermão do Monte.
(John Stott)
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