Sinceridade
"Ângela Atwood foi uma
garota querida, honesta e sincera que — à semelhança de Cristo — morreu pelas
coisas em que acreditava."
Essas palavras saíram de fato
dos lábios de um padre católico romano, enquanto proferia a apologia de Ângela
às pessoas que se haviam reunido na Igreja de São Paulo, do Prospect Park, em
Nova Jersey. Visto que os eventos pertinentes à morte de Ângela desapareceram
na história sórdida da era radical da América, permita-me refrescar-lhe a
memória. Esta jovem pertencia à súcia de seis membros da pesada, que se
chamavam a si mesmos "Exército Libertador Simbionês." Ela e seus companheiros
foram mortos num violento tiroteio com as autoridades que fazem cumprir a lei,
em Los Angeles, nos anos setenta.
"Esta moça sincera
estava seguindo uma vocação cristã", disse o padre, visto que ela, à
semelhança de Cristo, estava disposta a morrer pelo que ela sinceramente
acatava e em que acreditava. Embora fosse uma perigosa meliante, ofensora da
lei, fugitiva treinada na horrenda arte de assassinar, a sinceridade de Ângela
livrou-a — assim acreditava o padre — da culpa e (acredite se quiser) ligou-a a
Cristo.
"Sinceridade" é
considerada cartão de crédito internacional de ampla aceitação. Esfregue-o no
rosto do Senhor e Senhora Público Ingênuo e a sinceridade será honrada sem
questionamento. Não importa quão imensas sejam as dívidas que o usuário possa
ter contraído, ou como o cartão tenha sido mal-utilizado, a
"sinceridade" apagará toda a suspeita, validará todas as ações. Você
nem sequer precisa assinar um recibo comprovante. Basta escrever "Eu sou
sincero" no final de cada transação e você se terá tornado mais uma
criatura na fila colossal dos que carregam esse cartão, os quais mantêm o mundo
na crista da crise. Por alguma razão estranha a justiça dormita, enquanto o
juiz e o júri sorriem diante do veredicto final: "Não culpado... inocente,
por causa da sinceridade."
Desde quando a
"sinceridade" me dá o direito de praticar o mal? Charles Whitman era
sincero quando levou sua arma poderosa ao topo da torre de observação da
Universidade do Texas e assassinou dezesseis transeuntes inocentes. O jovem
terrorista árabe era sincero quando dirigiu um veículo cheio de explosivos por
cima das barracas dos fuzileiros navais em Beirut, matando 241 jovens
americanos mantenedores da paz. Também era sincero Sirhan Sirhan quando assassinou
o senador Robert Kennedy... e Adolfo Hitler, quando escreveu Mein-Kampf... e
Benedic Arnold, quando traiu seu país às margens do rio Hudson... e Judas,
quando vendeu a própria alma por 30 moedas de prata.
Claro que eram sinceros. Mas
estavam sinceramente errados. Nenhuma terrível devoção, determinação ou
envolvimento sacrificial, ainda que excepcionalmente imensos, dedicados a ações
erradas, transformariam tais ações em atos corretos. Gritar mais alto não
transforma um argumento fraco em forte. Guiar mais depressa não ajuda quando
você está perdido. Acrescentar mais algumas assinaturas não transforma um diploma
universitário falso em documento respeitável. E é assim que tampouco a
sinceridade consegue desculpar o pecado, não importando de modo algum o que um
clérigo bem intencionado, e mal orientado, possa dizer num funeral.
Todavia, será que isso
significa que a sinceridade é questionável? Na verdade, não. Seria melhor
dizer que o valor da sinceridade depende daquilo que ela representa. Em sua
carta aos crentes filipenses, Paulo ora assim:
"E esta é a minha
oração: que o vosso amor aumente mais e mais em pleno conhecimento e toda
percepção, para que possais discernir as coisas excelentes, para que sejais
sinceros, e inculpáveis até ao dia de Cristo" (Filipenses 1:9-10)
Nós, que nos empenhamos numa
busca de caráter, devemos permitir que a sinceridade se torne nosso distintivo
de excelência, durante todos os nossos dias na terra. Sincero é palavra
derivada do latim, significando "sem cera." O termo grego significa
"testado ao sol." Entenda, então: os antigos produziam um tipo fino
de porcelana que, quando exposta ao calor do forno, fissuras diminutas
apareciam. Mercadores desonestos esfregavam cera branca, perolada, por sobre
tais fissuras, e as peças eram vendidas como sendo íntegras — a menos que
fossem expostas ao sol. Os mercadores honestos marcavam suas peças intactas com
as palavras sine cera — "sem cera."
Esta é a sinceridade genuína.
Nada de máscara, nada de hipocrisia. Nada de rachaduras recobertas e
escondidas. Quando a verdadeira sinceridade fluí de nossa vida, aprovam-se as
coisas excelentes — para fazer paráfrase de Paulo. Somos então (e só então)
"semelhantes a Cristo."
Quando o sol brilha e nos
aquece, e testa nossa vida, a ausência de rachaduras garante a presença da
verdade. Você não consegue separar estas duas coisas... não importando quão sincero
você seja.
(Charles Swindoll, Livro A Busca do Caráter)
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