Ensinar a alegria
Muito se tem falado
sobre o sofrimento dos professores.
Eu, que ando sempre
na direção oposta, e acredito que a verdade se encontra no avesso das coisas,
quero falar sobre o contrário: a alegria de ser professor, pois o sofrimento de
se ser um professor é semelhante ao sofrimento das dores de parto: a mãe o
aceita e logo dele se esquece, pela alegria de dar à luz um filho.
Reli, faz poucos
dias, o livro de Hermann Hesse, O Jogo das Contas de Vidro. Bem ao
final, à guisa de conclusão e resumo da estória, está este poeminha de Rückert:
Nossos dias são
preciosos
mas com alegria os
vemos passando
se no seu lugar
encontramos
uma coisa mais
preciosa crescendo:
uma planta rara e
exótica,
deleite de um coração
jardineiro,
uma criança que
estamos ensinando,
um livrinho que
estamos escrevendo.
Este poema fala de
uma estranha alegria, a alegria que se tem diante da coisa triste que é ver os
preciosos dias passando... A alegria está no jardim que se planta, na criança
que se ensina, no livrinho que se escreve. Senti que eu mesmo poderia ter
escrito essas palavras, pois sou jardineiro, sou professor e escrevo livrinhos.
Imagino que o poeta jamais pensaria em se aposentar. Pois quem deseja se
aposentar daquilo que lhe traz alegria? Da alegria não se aposenta... Algumas
páginas antes o herói da estória havia declarado que, ao final de sua longa
caminhada pelas coisas mais altas do espírito, dentre as quais se destacava a
familiaridade com a sublime beleza da música e da literatura, descobria que
ensinar era algo que lhe dava prazer igual, e que o prazer era tanto maior
quanto mais jovens e mais livres das deformações da deseducação fossem os
estudantes.
Ao ler o texto de
Hesse tive a impressão de que ele estava simplesmente repetindo um tema que se
encontra em Nietzsche. O que é bem provável. Fui procurar e encontrei o lugar
onde o filósofo (escrevo esta palavra com um pedido de perdão aos filósofos
acadêmicos, que nunca o considerariam como tal, porque ele é poeta demais,
“tolo” demais...) diz que “a felicidade mais alta é a felicidade da razão, que
encontra sua expressão suprema na obra do artista. Pois que coisa mais
deliciosa haverá que tornar sensível a beleza? Mas “esta felicidade suprema,”
ele acrescenta, “é ultrapassada na felicidade de gerar um filho ou de educar
uma pessoa.”
(Rubem Alves)
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